Orquídeas Silvestres no Campus EUVG: Ciclos Naturais e Conservação Ativa da Biodiversidade

Os prados do campus da Escola Universitária Vasco da Gama albergam espécies de orquídeas silvestres autóctones, pertencentes à família Orchidaceae — uma das mais diversas e evolutivamente especializadas do reino vegetal. As orquídeas silvestres são plantas de uma grande beleza quando observadas de perto. Estas plantas, além de raras e protegidas por legislação nacional e europeia, desempenham um papel importante na manutenção da diversidade ecológica.

As orquídeas silvestres apresentam ciclos de vida complexos e altamente dependentes do seu habitat natural. A germinação das suas sementes requer a presença de fungos micorrízicos específicos, com os quais estabelecem uma relação simbiótica fundamental. A fase vegetativa tem início geralmente no outono, com o desenvolvimento das folhas basais, seguindo-se a fase reprodutiva entre março e junho, período em que se dá a floração e posterior frutificação.

Muitas destas espécies evoluíram mecanismos engenhosos de polinização altamente especializada, recorrendo a mimetismo visual ou químico para atrair insetos polinizadores, como abelhas, vespas ou borboletas. Após a frutificação, as plantas entram numa fase de dormência estival, reabsorvendo recursos e preparando-se para o ciclo seguinte.

Em Portugal continental ocorrem 49 espécies de orquídeas terrestres, distribuídas em 14 géneros botânicos, algumas das quais com estatuto de conservação muito particular, segundo o UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza). Todas as orquídeas são raras e devem er preservadas.

No campus da EUVG, ocorrem três das espécies mais comuns e que se encontram em flor entre os meses de março e junho:  a erva-abelha (Ophrys apifera), a erva-língua (Serapias lingua) e a orquídea piramidal (Anacamptis pyramidalis).

Estas três espécies são geralmente consideradas comuns em Portugal, especialmente em habitats adequados. No entanto, é importante destacar que:

  • Orquídeas selvagens são protegidas por lei em muitos países europeus, incluindo Portugal, onde a sua colheita e destruição estão geralmente proibidas.
  • Apesar de não estarem formalmente ameaçadas, a perda de habitat, a intensificação agrícola e o uso de herbicidas/pesticidas ou, ainda, as práticas de gestão inadequadas dos ecossistemas podem impactar localmente algumas populações.
  • A sua presença pode indicar boas condições ecológicas e diversidade florística, o que lhes confere um valor de conservação indireto.

Conscientes da importância ecológica e científica deste grupo botânico, na EUVG adotámos práticas de gestão diferenciada dos espaços verdes, evitando cortes entre o final de fevereiro e o mês de julho, período crítico para a floração, frutificação e dispersão das sementes destas orquídeas.

Ao proteger estas espécies, preservamos um legado genético e ecológico irrepetível, reforçando o compromisso da EUVG com a sustentabilidade e a conservação da biodiversidade.

Anacamptis pyramidalis (L.) Rich.
A Orquídea piramidal

A Anacamptis pyramidalis, conhecida como orquídea-piramidal ou satirião-menor, é uma espécie autóctone da Europa, frequentemente encontrada em prados secos, campos de pastagem e zonas de terreno calcário, como os que existem no campus da Escola Universitária Vasco da Gama. A sua característica mais distintiva é a inflorescência em forma de pirâmide, composta por numerosas flores pequenas, de cor rosa a púrpura, que formam uma espiga densa e bastante ornamental. O período de floração desta espécie ocorre entre abril e junho, com uma maior abundância de flores em maio.

Os caules delgados mas sólidos, glabros e de coloração verde, podem atingir até cerca de 70 cm de altura. As folhas, de forma linear-lanceolada, são também glabras e pontiagudas, distribuindo-se ao longo do caule e transformando-ses em estruturas semelhantes a brácteas à medida que se aproximam da inflorescência.

O nome científico da espécie vêm do grego anakámpto (“dobrado para trás”), alusivo ao esporão recurvado de cada flor e do latim pyramidalis que descreve a forma geométrica da inflorescência.

Do ponto de vista morfológico, as flores possuem um labelo (a pétala modificada) bastante desenvolvido, que se caracteriza por uma forma quase triangular, adaptada para atrair polinizadores específicos, como as abelhas. A polinização da Anacamptis pyramidalis é frequentemente mediada por polinizadores gerais, incluindo abelhas sociais e solitárias, escaravelhos e borboletas como a Thymelicus acteon. As flores liberam um odor doce que atrai as abelhas para o interior da flor, onde ocorre a transferência de pólen.

Ecologicamente, esta espécie vivaz está adaptada a ambientes de solo calcário e condições de baixa fertilidade, tendo uma distribuição preferencial pelo oeste e sul de Portugal continental (sobretudo Beira Litoral e Algarve).

A Anacamptis pyramidalis desenvolve-se a partir de tubérculos subterrâneos, que lhe permitem regenerar-se anualmente e adaptar-se a ambientes de clima mediterrânico. Apresenta uma relação mútua com fungos micorrízicos no início de seu ciclo de vida, sendo que as sementes, ao germinarem, necessitam destes fungos para a obtenção de nutrientes essenciais. Esse mecanismo simbiótico é fundamental para o desenvolvimento inicial da planta, já que as orquídeas não têm tecidos capazes de realizar fotossíntese nas suas fases mais jovens.

Em termos de conservação, embora considerada comum, a Anacamptis pyramidalis é particularmente vulnerável à destruição de habitats e ao uso intensivo da terra. A alteração dos sistemas de cultivo e o abandono de práticas agrícolas tradicionais, como o pastoreio, representam ameaças significativas para a sua sobrevivência.

Para além de contribuir para a diversidade florística dos habitats que ocupa, esta espécie assume um papel ecológico crucial ao manter relações de coevolução com polinizadores específicos que asseguram a sua reprodução.

Ophrys apifera Huds. – A Orquídea erva-abelha

A Ophrys apifera, conhecida como orquídea erva-abelha, é uma espécie fascinante da família Orchidaceae que, amplamente distribuída em Portugal, especialmente em regiões com solos calcários, mais ou menos húmidos e profundos do litoral oeste, nordeste e sul do país.

A floração decorre entre março e junho, podendo, cada haste, exibir de três a dez flores. As estruturas florais são altamente especializadas, nomeadamente, o labelo cuja morfologia simula visualmente e texturalmente o corpo de uma abelha, atraindo polinizadores por mimetismo sexual, embora a autopolinização também seja frequente nesta espécie.

Relativamente ao nome científico da espécie, o termo apifera significa “que imita uma abelha” é alusivo à semelhança quase perfeita entre o labelo da flor e o corpo de uma abelha.

A Ophrys apifera é uma planta herbácea, perene, e que se desenvolve a partir de pequenos tubérculos subterrâneos globosos, ativos ao longo de todo o ano. Após a floração, quando a parte aérea seca, a planta entra em repouso vegetativo.

A planta pode atingir 50 cm de altura, com verde-claras que aparecem em dois momentos: as primeiras surgem no outono, formando uma roseta basal oval a lanceolada que se desenvolve durante o inverno; as folhas caulinares aparecem mais tarde, já na primavera, sendo mais pequenas.

O ciclo de vida da Ophrys apifera é dependente de condições muito específicas. As sementes desta orquídea, tal como muitas outras da família Orchidaceae, não contêm nutrientes suficientes para germinar por conta própria e, por isso, formam uma relação simbiótica com fungos micorrízicos, que fornecem os nutrientes necessários durante as primeiras fases de desenvolvimento.

Como muitas outras espécies desta família, a Ophrys apifera enfrenta várias ameaçastais como a perda de habitat devido à urbanização, práticas agrícolas intensivas, alteração do uso do solo e pela mudança climática. Em muitas áreas, a destruição de campos de pastagem e a intensificação da agricultura dificultam a sobrevivência desta espécie.

A Ophrys apifera é não só um exemplo de engenhosidade evolutiva, mas também um indicador ecológico de habitats bem conservados, com solos profundos e pouca perturbação. A sua presença é sinal de um ecossistema equilibrado e de um património natural que importa preservar.

Ophrys apifera (L.) Huds.
– A Orquídea erva-abelha

A Serapias lingua, também conhecida como orquídea erva-língua, é uma espécie de orquídea nativa da região mediterrânea, incluindo Portugal.

O nome “língua” refere-se ao labelo (a pétala modificada) que se assemelha a uma língua alongada, uma característica que a distingue visualmente de outras orquídeas. A inflorescência pode ser simples ou ramificada e aparece entre março e junho, dependendo das condições climáticas.

É uma planta herbácea com caule verde e ereto, folhas basais verdes, lisas e uma morfologia geral que garante a camuflagem e proteção das flores jovens. Pode atingir entre 10 a 60 cm de altura, dependendo das condições ecológicas do habitat. Espécie perene, a erva-língua desenvolve-se a partir de tubérculos subterrâneos, responsáveis pela sua regeneração anual.

A floração ocorre entre março e junho, formando inflorescências com duas a seis flores, geralmente pouco densas. As flores da Serapias lingua são pequenas e apresentam uma cor que varia do púrpura ao rosa, frequentemente com uma tonalidade mais escura nas extremidades da flor. O elemento mais marcante da flor é o labelo, uma peça floral modificada, longa, cuja forma inspirou o epíteto específico lingua. Apresenta colorações que variam entre vermelho, castanho e púrpura, por vezes com tonalidades amareladas, e é recoberto por uma fina pilosidade, conferindo-lhe uma textura aveludada.

Como muitas orquídeas, a Serapias lingua também depende de fungos micorrízicos para germinar, já que as suas sementes são muito pequenas e não contêm reservas nutritivas suficientes. A interação com fungos específicos no solo permite que a planta se desenvolva durante as fases iniciais do seu ciclo de vida.

Ecologicamente, Serapias lingua é uma espécie pouco exigente em termos de substrato, podendo instalar-se em solos ácidos, neutros ou ligeiramente calcários. Encontra-se com frequência em prados naturais, clareiras de matos, relvados húmidos, pauis, e também em sistemas florestais abertos como azinhais, sobreirais e pinhais.

A Serapias lingua enfrenta várias ameaças devido à perda de habitat, especialmente em áreas onde a agricultura intensiva e a urbanização afetam os ecossistemas naturais. A espécie é sensível a mudanças nos padrões de uso do solo e à destruição dos prados naturais, que são essenciais para a sua sobrevivência. A conservação desta espécie requer a proteção dos habitats naturais e a adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis que favoreçam a biodiversidade. A sua presença é um bom indicador de habitats bem preservados, com baixa perturbação e equilíbrio ecológico.